Resumo: A Lei 10.259/2001 e a Lei 9.099/95 não tratam especificamente do cabimento do recurso adesivo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, prevalecendo o entendimento jurisprudencial, nos citados órgãos, de ser incabível a forma adesiva do recurso inominado. Nesse contexto, o presente trabalho analisou o acerto da referida interpretação do ordenamento jurídico, em especial, a compatibilidade entre essa conclusão e os seguintes princípios informadores do microssistema dos Juizados Especiais: celeridade, informalidade, simplicidade e economia processual. Por meio do exame global da Constituição Federal, do CPC e das Leis 9.099/95 e 10.259/01, constatou-se que se faz mister concluir pela possibilidade da interposição adesiva do recurso inominado, pois o recurso adesivo amolda-se perfeitamente ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, constituindo-se, inclusive, em um instrumento importante de acesso ao Poder Judiciário e de aceleração da entrega da prestação jurisdicional.
Palavras-chave: Juizados Especiais Cíveis, recurso inominado, recurso adesivo, princípios dos Juizados Especiais Cíveis, artigo 997 do CPC, Projeto de Lei 1223/2022
O presente trabalho terá como objetivo analisar a controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto ao cabimento da forma adesiva do recurso previsto no artigo 41 da Lei 9.099/95, para que seja possível, por meio da elaboração de um artigo científico, a defesa fundamentada de um posicionamento próprio sobre a matéria.
A Lei 10.259/2001 e a Lei 9.099/95 – aplicada subsidiariamente nos Juizados Especiais Cíveis Federais - não tratam especificamente da matéria relativa à compatibilidade do recurso adesivo com os procedimentos por elas criados. Dessa forma, formou-se um intenso debate entre aqueles que entendem que, por não haver previsão expressa nas leis citadas, seria incabível a referida modalidade de apelo e os que defendem a tese contrária com base na inexistência de vedação legal quanto à sua interposição.
Para se analisar a controvérsia acerca do tema, é essencial pensar em diversas questões que fomentam as discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Entre elas, a taxatividade ou não do rol dos recursos em que se admite o apelo adesivo (artigo 997, § 2º, II, do CPC), a equivalência do recurso inominado à apelação cível, a compatibilidade do recurso adesivo com os princípios norteadores dos juizados especiais, entre outras.
Assim, realizar-se-á uma breve revisão bibliográfica, para se examinar as diversas posições doutrinárias acerca do tema, além de uma pesquisa dos diferentes posicionamentos encontrados nas decisões proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, a que se tem acesso por meio dos sítios oficiais dos respectivos órgãos.
Princípios norteadores dos Juizados Especiais: simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual
Tendo em vista a lacuna da lei quanto ao cabimento do recurso adesivo nos Juizados Especiais Cíveis, tem-se que, para se chegar a qualquer conclusão sobre o tema, devem-se considerar os princípios norteadores desse microssistema. Portanto, inicialmente, cumpre tecer algumas breves considerações sobre os princípios trazidos no artigo 2º da Lei 9.099/95 e que são relevantes para o referido debate, quais sejam: simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual.
Segundo Alexandre Câmara, em que pese a lei mencione a simplicidade e a informalidade separadamente, na verdade, está-se diante de um só princípio, segundo o qual os Juizados Especiais Cíveis deve ser totalmente desformalizado, isto é, deve-se buscar eliminar os exageros formais.[1] A informalidade, nesse sentido, cumpre o objetivo de aproximar o jurisdicionado do Estado, na medida em que um procedimento judicial mais simples pode ser compreendido pelo cidadão comum. [2]
O princípio da economia processual, para Alexandre Câmara, consiste em “se extrair do processo o máximo de proveito com o mínimo dispêndio de tempo e energias”[3]. Nesse contexto, Marinoni defende que, sempre que possível, é necessário minimizar a quantidade dos atos processuais, de forma que seja possível uma resposta jurisdicional mais rápida e mais barata.[4]
Já o princípio da celeridade processual consiste em se buscar que o processo nos Juizados Especiais Cíveis demore o mínimo possível. Marinoni afirma que por ter sido criado esse microssistema para atender a litigiosidade contida (especialmente das classes de menor poder aquisitivo), a solução jurisdicional deve ser breve, explicando, ainda que “ninguém pode negar que, para uma pessoa pobre, a demora em receber certa soma em dinheiro pode comprometer sua própria subsistência, ao passo que dificilmente essa mesma consequência poderia advir para pessoas de mais elevada condição econômica”.[5]
Noções essenciais sobre o recurso adesivo
Inspirado no direito alemão e no direito português, o recurso adesivo é regulamentado no artigo 997 do CPC. No caso de sucumbência recíproca, em que ambos os litigantes são parcialmente vencedores e vencidos, o autor e o réu podem interpor o recurso cabível no prazo recursal e, nesse contexto, eles serão considerados independentes ou, ainda, havendo somente uma parte interposto recurso, a outra pode, no prazo concedido para contrarrazões, interpor o apelo adesivo, que apresenta subordinação ao recurso já apresentado, denominado principal.[6],[7]
Assim, o apelo adesivo não pode ser considerado uma espécie própria de recurso, mas uma forma de interposição de recurso. Dessa forma, no caso de sucumbência recíproca, a parte, como já mencionado, pode interpor recurso na forma independente ou na forma adesiva. [8]
Além disso, ressalte-se que essa modalidade de recurso só é possível, na forma do 997, § 2º, II, do CPC, quando, além de configurada a sucumbência recíproca, há a interposição dos recursos de apelação, recurso especial ou recurso extraordinário por uma das partes, tratando-se de rol taxativo conforme entendimento de parte da doutrina e das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça[9]. No entanto, há quem defenda a extensão da possibilidade ao caso de recurso ordinário constitucional por assemelhar-se à apelação. [10]
Acresça-se, ainda, que, na forma do artigo 997, § 2º, do CPC, o recurso adesivo deve observar todos os requisitos de admissibilidade exigidos para o apelo ao qual aderiu.[11] Ademais, o recurso adesivo tem o destino subordinado àquele do principal. Nesse contexto, na hipótese de não conhecimento do recurso principal, o apelo adesivo não será também conhecido.[12]
Tal subordinação é justificada pela presunção de que a parte que se valeu do recurso adesivo estaria, inicialmente, satisfeita com a decisão e que somente utilizou essa forma de impugnação por ter a parte adversária recorrido. Dessa forma, na hipótese em que o apelo principal não é conhecido, não se vislumbra interesse recursal que justifique a análise do mérito do recurso adesivo. Pelo mesmo motivo, na hipótese de desistência do recurso principal, não se conhece do adesivo.[13]
Ainda quanto ao tema, cumpre mencionar que a criação do recurso adesivo teve como objetivo o desestímulo à interposição precipitada de recurso pelo parcialmente vencido. Isto porque a parte que porventura estivesse satisfeita com a decisão proferida não encontraria a necessidade de impugná-la mediante recurso em decorrência da certeza que teria de que, havendo impugnação da parte contrária no final do prazo recursal, haveria nova oportunidade para recorrer durante o prazo concedido para contrarrazões.[14]
Vale frisar, por último, que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico no sentido de não ser possível aplicar o princípio da fungibilidade para receber o recurso principal intempestivo como recurso adesivo e de não ser cabível recurso adesivo para complementar recurso principal parcial anteriormente interposto, sob o fundamento de que nas duas hipóteses resta inequívoca a intenção de recorrer de forma principal e não na modalidade adesiva. [15]
Análise doutrinária e jurisprudencial sobre o cabimento do recurso adesivo nos juizados especiais
Nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, prevalece o entendimento de que não é cabível o recurso adesivo. Nesse sentido são os Enunciados do FONAJEF nº 59 e do FONAJE nº 88 que preconizam, respectivamente que: “Não cabe recurso adesivo nos Juizados Especiais Federais”[16] e “Não cabe recurso adesivo em sede de Juizado Especial, por falta de expressa previsão legal”.[17]
Ademais, as decisões judiciais e as súmulas das turmas recursais dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais, na maior parte das vezes, rejeitam a possibilidade de cabimento do recurso adesivo. Como exemplos, vale citar a Súmula 10 da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Distrito Federal que estabelece: “O recurso adesivo, à míngua de previsão legal na legislação de regência (Leis 9.099, de 26/09/95, e 10.259, de 12/07/01) e sendo incompatível com o princípio da celeridade, não é admitido nos Juizados Especiais” e o acórdão proferido pela Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF cuja ementa se transcreve abaixo:
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. RECURSO INOMINADO. PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREPARO. DESERÇÃO. RECURSO ADESIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSOS NÃO CONHECIDOS. 1. O art. 42, §1º, da Lei 9.099/95, determina que o preparo recursal será recolhido em até 48 horas após a interposição do recurso inominado, independentemente de intimação, e compreenderá todas as despesas processuais, inclusive as dispensadas em primeiro grau de jurisdição (Lei 9.099/95, art. 54, parágrafo único). 2. O artigo 31, § 1º, do Regimento Interno das Turmas Recursais também estabelece que o preparo compreende a guia do recurso e as custas processuais e deve ser efetivado, independentemente de intimação, em estabelecimento bancário conveniado ao TJDFT nas 48 horas seguintes à interposição do recurso, com a juntada do comprovante aos autos dentro deste prazo, sob pena de deserção. 3. No caso, após a interposição do recurso pelo recorrente (ID 36469634), não foi juntado preparo no prazo prescrito em lei, no entanto, foi requerida a gratuidade. Intimada para juntar documentos a fim de comprovar a sua insuficiência de recursos (ID 36471746), a parte permaneceu inerte. Logo, não cumprindo a determinação no prazo de 48 horas, o recurso é deserto. 4. Quanto ao recurso adesivo interposto pela parte autora não se conhece, porque não há previsão legal de seu cabimento na Lei 9.099/95. (Enunciado 88 do FONAJE). Tampouco o recurso adesivo é compatível com a simplicidade e celeridade dos Juizados Especiais Cíveis: (Acórdão 1139823, 07140528620178070003, Relator: SONÍRIA ROCHA CAMPOS D'ASSUNÇÃO, Primeira Turma Recursal, publicado no DJE: 10/12/2018.). Recurso adesivo interposto pela autora não conhecido. 5. RECURSOS NÃO CONHECIDOS. Condenados os recorrentes ao pagamento de custas e honorários que fixo em 10% sobre o valor da condenação. 6. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei 9.099/95. (Acórdão 1440540, 07067287020218070014, Relator: GISELLE ROCHA RAPOSO, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 25/7/2022, publicado no DJE: 15/8/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.)[18]
Nesse mesmo diapasão, tem-se as Súmulas 34 das Turmas Recursais do Juizado Especial Federal de São Paulo[19] e 9 da Seção Judiciária do Piauí.[20]
Em que pese à ausência de uma discussão significativa na jurisprudência quanto ao tema em discussão, já que as decisões judiciais, de forma majoritária, rejeitam a interposição adesiva do recurso do artigo 41 da Lei 9099/95, é possível encontrar, na doutrina, diversos autores que defendem tese em sentido contrário.
José Alberto Quadros de Carvalho defende a impossibilidade de recurso adesivo nos Juizados Especiais, sob os fundamentos, já esposados nas decisões judiciais e súmulas transcritas, de que não há previsão legal para tanto e de que admiti-lo vai de encontro aos princípios da celeridade, da simplicidade e da economia processual. Ricardo Cunha Chimenti acresce que o recurso adesivo segue o princípio da taxatividade e, por conseguinte, é incabível nos Juizados Especiais, por ausência de previsão no artigo 997, § 2º, II, do CPC.[21]
Oscar Valente Cardoso segue a linha de entendimento dos referidos autores também sob o fundamento de que a impossibilidade da modalidade adesiva, nesse caso, está relacionada a sua ausência de previsão legal, sendo irrelevante, para ele, verificar a compatibilidade desse instituto com os princípios dos Juizados Especiais. Ressalta que nada impede que a parte satisfeita com a decisão interponha recurso inominado e que, verificando que o outro litigante não o fez, desista de seu recurso. Além disso, explica que o demandante, ao perceber que o prazo recursal se esgotou e a parte contrária utilizou o recurso inominado, pode buscar uma solução que lhe seja mais favorável na conciliação (artigo 2º da Lei 9.099/95).[22]
Defendendo tese contrária, Marcelo da Fonseca Guerreiro sustenta que as normas do CPC incidem sobre os processos dos Juizados Especiais, e que o apelo adesivo, por ser apenas uma forma de interposição, pode ser apresentado no recurso previsto na Lei 9.099/95, sem que haja ofensa ao princípio da taxatividade.[23]
Wesley Ricardo Bento da Silva afirma que as turmas recursais concluem pelo não cabimento de recurso adesivo, sob dois fundamentos principais: a ausência de previsão legal para tanto e a incompatibilidade dessa forma de impugnação com os princípios norteadores dos Juizados Especiais. Segundo ele, no entanto, tais argumentos não são convincentes, uma vez que não há, para o autor, a necessidade da expressa menção legal no tocante ao recurso adesivo na Lei 9.099/95 para que este seja admitido em decorrência da possibilidade de aplicação subsidiária do CPC desde que não haja colisão do dispositivo que se pretende utilizar com aquele diploma legal. [24]
Acrescenta, ainda, o autor que a utilização do recurso adesivo nos Juizados Especiais contribui para a celeridade das decisões, na medida em que evita que a parte satisfeita com a decisão interponha precipitadamente recurso inominado, mas que aguarde a iniciativa recursal do outro litigante.
Ademais, ele explica que, em casos de indenização por danos morais, demandas comuns nos Juizados Especiais, poderia haver desistência daquele que apresentou recurso inominado com objetivo de reduzir o quantum indenizatório ao verificar que a parte contrária interpôs o apelo adesivo tendo em vista a possibilidade da majoração do valor arbitrado na primeira decisão.[25]
Em ambas as hipóteses, o jurista menciona exemplos de casos que não se sujeitariam ao segundo exame pela turma recursal, o que contribuiria para uma solução mais célere da lide.[26] Didier também afirma que os que defendem o não cabimento do recurso adesivo nos Juizados Especiais partem da falsa premissa de que este afrontaria o principio da celeridade processual[27]. Ainda quanto à questão da celeridade, Alexandre Câmara destaca que “entendê-lo [o recurso adesivo] inadmissível acaba, pois, por incentivar a litigiosidade, fazendo com que prossiga um processo que poderia ter chegado ao seu termo final por ter nele sido proferida uma sentença que agrada a ambas as partes”.[28]
Nesse contexto, vale citar um trecho em que Cândido Dinamarco afirma:
os objetivos do recurso adesivo coadunam-se muito harmoniosamente com os da criação do processo especialíssimo dos juizados, onde o zelo para terminação rápida do serviço jurisdicional se situa entre as preocupações centrais. Faz parte do espírito conciliatório que aqui se aviltra essa atitude do litigante que, atendido e parte quanto à pretensão sustentada em juízo, prefere não recorrer e só recorrerá se o fizer o adversário. Por isso, também no processo dos juizados especiais é admissível o recurso adesivo, embora não se tenha aqui o recurso de apelação mas o inominado, uma vez que os objetivos práticos deste coincidem com os daquela.[29]
José Scalfonre Neto defende também o cabimento do recurso adesivo, sob o fundamento de que o recurso inominado previsto na Lei 9.099/95 equivale, analogicamente, à apelação prevista no CPC, de forma que admitir o apelo adesivo nos Juizados Especiais não ofenderia o princípio da taxatividade. Ademais, esclarece que o recurso adesivo não contribuiria para a morosidade do sistema dos Juizados Especiais, na medida em que o prazo para a sua interposição coincide com o de contrarrazões, dilatando-se o tempo do processo apenas por um período muito curto que seria o das contrarrazões ao apelo adesivo.[30]
Projeto de Lei 1223/2022
Em que pese à possibilidade de interposição de recurso adesivo no âmbito dos juizados especiais a partir da ordem jurídica vigente, insta registrar a apresentação do Projeto de Lei 1223/2022, que visa à alteração do artigo 41 da Lei 9.099, nos seguintes termos:
Art. 41. (...)
§3º Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro, ficando o recurso adesivo subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento na turma, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte:
I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder;
II - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.
Nesse contexto, merecem ser destacados os fundamentos da exposição de motivos do referido projeto de lei:
A presente proposição tem por objetivo racionalizar a sistemática recursal nos Juizados Especiais, os quais devem se orientar, dentre outros, pelos princípios da economia processual e celeridade.
Neste sentido, a possibilidade de interposição do chamado Recurso Adesivo no âmbito dos Juizados, ao contrário do hoje sustentado na jurisprudência dos Tribunais brasileiros que entendem por vedar a admissão de tal instrumento, vai ao encontro desses princípios.
A ausência de previsão legal e o princípio da taxatividade dos recursos não podem servir como fundamento para, estes sim, impedir a real finalidade do procedimento especial previsto na Lei no 9.099/1995 que é a garantia da razoável duração do processo para causas menos complexas e, em última análise, garantir o próprio acesso à Justiça.[31]
Considerações finais
O microssistema processual dos Juizados Especiais é norteado pelos princípios do artigo 2º da Lei 9.099/95, dentre os quais se encontram os da celeridade, da informalidade, da simplicidade e da economia processual. Concluir que admitir a forma adesiva no caso de recurso inominado seria uma interpretação jurídica que não observaria tais preceitos é um equívoco.
No que concerne à celeridade, o recurso adesivo contribui, como mencionado no trabalho, para evitar a interposição precipitada de recursos em caso de satisfação das partes com a sentença, bem como pode estimular, na hipótese em que haja a utilização da via adesiva, a desistência do litigante que interpôs o recurso principal pelo receio de que a decisão a ser proferida lhe seja desfavorável. Em ambas as hipóteses, percebe-se que o recurso adesivo pode proporcionar, ao contrário do defendido por parte da doutrina e da jurisprudência, solução mais célere do litígio, o que vai ao encontro do inciso LXXVIII ao artigo 5º da Carta Magna.
Quanto aos princípios da simplicidade e da informalidade, ressalte-se que a possibilidade da interposição da modalidade adesiva do recurso inominado, por si só, não gera grandes complicações no tocante ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, já que a parte, em fase recursal, deve estar representada por advogado, profissional que tem capacidade para compreender as características do instituto em discussão.
Em relação ao princípio da economia processual, embora a primeira impressão seja a de que o recurso adesivo seria mais uma etapa no procedimento e, com isso, a solução do litígio levaria um maior tempo e teria um maior custo financeiro, a possibilidade de utilização da via adesiva, vista de forma global, reduziria os recursos nos casos em que há satisfação com a sentença, contribuindo para uma resposta jurisdicional mais rápida e mais barata.
No tocante à ausência de previsão do recurso adesivo nas Leis 9.099/95 e 10.259/2001, ressalte-se que, nesse aspecto, é perfeitamente possível a aplicação subsidiária do CPC, na medida em que, como já exposto, admiti-lo não vai de encontro aos princípios que informam os Juizados Especiais Cíveis. Ademais, por representar mais um instrumento de acesso ao Poder Judiciário, adotar a interpretação restritiva quanto ao cabimento do recurso adesivo, sem fundamentação idônea para tanto, violaria o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.
Relativamente ao rol do inciso II do § 2º do artigo 997 do CPC, que diz respeito aos recursos que admitem a forma adesiva, é importante ressaltar que a jurisprudência, ao realizar interpretação ampliativa, concluiu pelo cabimento de recurso ordinário constitucional por via adesiva, sob o fundamento de que há semelhança entre esse e a apelação. Da mesma forma, pode-se concluir que o recurso inominado, que também apresenta diversas características semelhantes às da apelação do CPC – sendo, inclusive, regulado pelas regras desta nos aspectos em que há omissão na Lei 9.099/95 -, admite a interposição adesiva, sem que isso represente ofensa ao citado dispositivo legal.
Ressalte-se que o paradigma atual do neoconstitucionalismo importa na leitura da norma infraconstitucional da forma que melhor realize o sentido e o alcance dos fins constitucionais. Nesse contexto, faz-se mister adotar a interpretação da legislação que rege o microssistema dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais que mais se harmonize com o acesso ao Poder Judiciário e com a celeridade na entrega jurisdicional.
Assim, ao se proceder à interpretação global da Constituição Federal, do CPC e das Leis 9.099/95 e 10.259/01, não há como se concluir pela impossibilidade da interposição adesiva do recurso inominado, pois o recurso adesivo amolda-se perfeitamente ao procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, constituindo-se, inclusive, num instrumento importante para a aceleração da entrega da prestação jurisdicional.
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[1] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda pública: uma abordagem crítica. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 15-16.
[2] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 7ª Ed. Ver e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 704-705.
[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda pública: uma abordagem crítica. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 17.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 7ª Ed. Ver e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 706.
[5] Ibidem, p. 707.
[6] THEODORO JUNIOR, Humberto. “Curso de Direito processual civil, vol. 1”. 40ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2003. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo de conhecimento. 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 651.
[7] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “O novo processo civil brasileiro”. 22ª Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense 2002. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo de conhecimento. 7ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 652.
[8] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 7ª Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2013, p. 89.
[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 7. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. p. 671
[10] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 7ª Ed. Ver e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, pp. 593-594.
[11] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 7ª Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2013, p. 90.
[12] MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de Conhecimento. 7ª Ed. Ver e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 594.
[13] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 7ª Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2013, p. 92-93.
[14] Ibidem, p. 95.
[15] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 7. Ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. p. 671.
[16]BRASIL. Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais. Enunciado 59. Disponível em: <http://www.ajufe.org.br/portal/images/stories/pdfs/Enunciados_Fonajef%20-%201%20a%20110.pdf>. Acesso em 7 fev 2023.
[17] BRASIL. Fórum Nacional dos Juizados Especiais. Enunciado 88. Disponível em: < http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32>/. Acesso em 7 fev 2023.
[18] BRASIL. Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF. Processo nº 07067287020218070014. Disponível em: <https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em 07 fev 2023.
[19]BRASIL. Turmas Recursais do Juizado Especial Federal de São Paulo. Súmula 34. Disponível em: < http://www.jfsp.jus.br/jef/consulta/enunciados.php >. Acesso em 07 fev 2023.
[20] BRASIL. Seção Judiciária do Piauí. Súmula 9. Disponível em: <http://www.pi.trf1.gov.br/sumulas_turma.htm>. Acesso em 07 fev 2023.
[21] CARDOSO, Oscar Valente. O controverso cabimento do recurso adesivo nos juizados especiais federais cíveis. In: Revista dialética de direito processual, n.82, jan., 2010, p. 40.
[22] Ibidem, p. 42.
[23] Ibidem, p. 39.
[24] SILVA, Wesley Ricardo Bento da. O recurso adesivo nos juizados especiais. In Consulex : revista jurídica, v.7, n.162, out., 2003, p. 49.
[25] Ibidem, p. 50.
[26] Ibidem, p. 50.
[27] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 7ª Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2013, p. 90.
[28]CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda pública: uma abordagem crítica. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 135.
[29] DINAMARCO, Cândido Rangel. “Manual dos Juizados Cíveis”. São Paulo: Malheiros Ed, 2001, p. 183. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Volume 3. 7ª Ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2013, p. 89.
[30] SCALFONE Neto, José. “O Recurso Adesivo e os Juizados Especiais Cíveis” : lei 9.099, de 26 de setembro de 1995. In: Repertório IOB de Jurisprudência : Civil Processual Penal e Comercial, n.19, p.453-451, 1. quinz out., 1999.
[31] BRASIL. Câmara dos Deputados. Justificação do Projeto de Lei 1223/2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2168430. Acesso em 7 fev 2023.
Servidora do Tribunal Superior do Trabalho; bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB; especialista em Direito e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes – UCAM; especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade de Brasília – UnB; especialista em Direito e Processo do Trabalho, pela Faculdade Metropolitana do Estado de São Paulo - FAMEESP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, VIVIANNE OLIVEIRA DE. O cabimento do recurso adesivo nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma análise à luz dos princípios da celeridade, da informalidade, da simplicidade e da economia processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2023, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /61111/o-cabimento-do-recurso-adesivo-nos-juizados-especiais-cveis-estaduais-e-federais-uma-anlise-luz-dos-princpios-da-celeridade-da-informalidade-da-simplicidade-e-da-economia-processual. Acesso em: 28 dez 2024.
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